FY VISITA: HANA & LEANDRO
2024-05-31
Para esta edição do FY Visita, batemos um papo com Hanayrá Negreiros e Leandro Muniz, responsáveis pela curadoria da terceira temporada do projeto MASP Renner junto a Adriano Pedrosa.
Hana foi quem nos convidou a participar deste projeto incrível, no qual criamos com a artista Lidia Lisbôa peças para a exposição Arte na Moda: MASP Renner, que abriu ao público em março e vai até o dia 9 de junho. Outras 25 duplas de estilistas e artistas trabalharam em colaboração no desenvolvimento de peças para o acervo do museu. Além da exposição, há também um catálogo com fotos e textos de todos os trabalhos produzidos ao longo do projeto.
Fernanda Yamamoto: Na opinião de vocês, moda é arte?
Leandro: Não há uma resposta absoluta para essa pergunta. Moda e arte constituem dois circuitos diferentes, que se encontram em vários momentos, como desfiles em galerias e museus, ou artistas criando estampas para roupas. Há momentos em que se diferenciam e outros em que se aproximam. Ambos lidam com a forma, mas enquanto a roupa está necessariamente ligada ao corpo, a arte não precisa responder à arquitetura corporal. Alguns artistas utilizam roupas em suas obras, e estilistas criam roupas que não são estritamente utilitárias.
É interessante analisar caso a caso, algo que ficou evidente na exposição. Há trabalhos que mostram a colaboração entre artistas e estilistas, combinando arte e moda na criação de peças vestíveis. Em outros casos, a roupa se transforma em escultura, questionando seu uso e destacando seu caráter tridimensional. Há trabalhos mais conceituais que exploram a roupa como um código de gênero, classe social e problematizam esses conceitos. Outros utilizam o espaço do museu para questionar o que é roupa e aprofundar essa discussão.
As fronteiras entre moda e arte são borradas no fazer, na técnica e no conceito.
Hana: Eu gosto muito dessa ideia de fronteiras borradas. Eu acho importante pensar moda no contexto museológico, onde a gente consegue expandir essas possibilidades com uma roupa. Podemos ver isso claramente na exposição: roupas mais escultóricas, roupas que não poderiam ser vestidas no dia a dia. Se pensarmos na moda como mercado, de forma mais capitalista, podemos então entender a moda como uma linguagem artística, assim como tantas outras que também têm lugar no mercado, como artes visuais, por exemplo.
Considerando essas reflexões, parece que a moda pode realmente ser vista como uma forma de arte. Quando pensamos em roupas como expressões criativas que ultrapassam os limites do uso diário, quando nos deparamos com peças mais esculturais e materiais que desafiam a funcionalidade, percebemos como a moda pode transcender sua função utilitária e se tornar uma manifestação artística em si mesma.
O conceito de indumentária, como a arte do vestir, nos convida a explorar essa dimensão mais profunda da moda, onde ela se entrelaça com questões culturais, sociais e até mesmo políticas, transcendendo os aspectos puramente comerciais. Enxergar a moda como uma linguagem artística nos permite apreciar sua diversidade e criatividade, enquanto reconhecemos sua presença tanto em espaços de mercado quanto em contextos mais tradicionalmente artísticos, como exposições e museus.
FY: Qual a importância da moda ganhar cada vez mais espaço num museu como o MASP?
Hana: É muito interessante observar a moda no contexto de um museu, esse entendimento do trabalho por trás da moda. As peças dessa exposição foram concebidas especificamente para esse ambiente museológico. Elas não são destinadas a serem vestidas, mas sim a ocuparem um lugar específico no museu desde sua concepção.
Maria Claudia Bonadi, responsável pelas fotos do catálogo, discute o estranhamento que surge dessa exposição, onde as peças têm um destino definido, não transitam em corpos ou passarelas, mas sim encontram seu propósito no museu.
Leandro: Isso é interessante porque, desde o início do século 19, a moda começou a ser preservada em museus como documento histórico. O vestuário de diferentes épocas oferece insights sobre as condições de vida das sociedades em que foram usados. No século 20, as coleções de estilistas passaram a integrar os acervos dos museus.
O fato das peças dessa exposição serem concebidas para o museu abre possibilidades narrativas diferentes das peças que tiveram uma vida real, que responderam a um contexto histórico específico. Elas não se encaixam nas modelagens tradicionais do século 19, 20 ou 30, mas sim apontam para o futuro, para corpos além do humano, além de gêneros, além de tudo.
Ao serem concebidas com o propósito de serem expostas num museu, as roupas têm a liberdade de explorar o território da ficção, revelando aspectos da realidade. O que aconteceria se uma roupa tivesse espaço para oito pernas, oito braços?
FY: Quais os principais pontos que vocês destacam sobre a terceira temporada do projeto MASP Renner?
Hana: A terceira temporada começou durante a pandemia, o que nos fez iniciar os encontros de forma online. Somente em 2022, tivemos a oportunidade de nos encontrar presencialmente com as duplas de artistas.
Esta temporada aborda intensamente questões de raça, classe, gênero e explora os limites entre moda, artes visuais, esculturas... Por ser a terceira temporada, trazemos aprendizados sobre o que funcionou e o que não funcionou nas anteriores. Refletimos sobre a importância da roupa, do look e da moda no contexto de um museu, permeando memórias e acontecimentos atuais.
É interessante ver o público percebendo a exposição como uma plataforma de mediação entre as pessoas. Pensamos sobre o que cada visitante irá encontrar e o que essas roupas podem evocar em termos de memórias pessoais e afetivas.
Leandro: Vale ressaltar que toda coleção tem lacunas. Na terceira temporada, identificamos várias lacunas, como a ausência de um estilista indígena, por exemplo. Reconhecemos essas falhas e acreditamos que na quarta temporada surgirão novas questões, novas ausências e novas presenças, enriquecendo ainda mais a coleção.
FY: Como vocês enxergam o nosso trabalho com a artista Lidia Lisbôa nessa exposição?
Leandro: Quando começamos a trabalhar nessa exposição, percebemos muitas conexões entre seu trabalho e o da Lidia. As texturas, as materialidades e as paletas de cores eram muito semelhantes. As similaridades eram evidentes ao imprimir fotos dos trabalhos de vocês e montar um quebra-cabeça.
O trabalho que vocês desenvolveram é verdadeiramente singular. As crinolinas aparentes, as estruturas à mostra demonstram técnicas muito sofisticadas. Como no caso do quimono com plissado a vapor, que mescla elementos do futuro e do presente, ou a moda noiva, que aborda questões femininas tão relevantes.
Fica evidente que foi um esforço coletivo da equipe. Pode-se perceber que cada peça passou por várias vozes e mãos. Todos esses pensamentos e esforços coletivos estão presentes nas criações.
Hana: Foi muito claro quando pensamos em juntar você e a Lidia, porque a gente sabia que sairiam coisas lindas. Eu acho que é um tipo de encontro, é uma curadoria não só das obras, das peças… mas das pessoas.
FY: O que mais chama atenção no trabalho da marca?
Leandro: Sempre me impressionou o trabalho da Fernanda Yamamoto, eu até falo sobre isso no catálogo. Os elementos das suas ancestralidades aparecem na roupa, como origamis, quimonos, mas com absoluto frescor.
Hana: Eu já acompanho a marca há alguns anos, já tínhamos nos encontrado em outros projetos. Portanto, quando recebi o convite para fazer a curadoria da terceira temporada, o nome da Fernanda Yamamoto veio muito claramente. Acho que as peças de vocês se destacam pela originalidade. A modelagem, a escolha de cores e texturas têm uma conexão única entre a ancestralidade japonesa e a cultura brasileira, até mesmo refletindo os processos de diáspora.
É uma marca intensa, que reflete um espírito coletivo muito bonito do ateliê. É inspirador ver como vocês trabalham juntos enquanto grupo. Acredito que isso nos proporciona uma compreensão da moda de uma forma diferente, que valoriza o processo, os materiais e as relações de trabalho. Isso também está em sintonia com a proposta do museu e reflete os valores que buscamos transmitir com este projeto.
Hanayrá Negreiros é curadora, historiadora e escritora. Investiga histórias do vestir e a moda da diáspora africana no Brasil. Chegou ao MASP como professora, no MASP Escola, justamente para fazer essas pesquisas sobre artes visuais, moda, história da arte e história da moda. Em 2021 foi convidada para fazer parte do time de curadoria do MASP, onde formou dupla com Leandro Muniz para a terceira temporada do projeto MASP Renner.
Leandro Muniz é artista e curador assistente do MASP. Formado em Artes Visuais pela USP, atualmente faz mestrado em História da Arte, na ECA. Sempre trabalhou com curadoria e crítica de arte. Foi convidado pelo MASP para trabalhar na curadoria da terceira temporada do projeto MASP Renner junto a Hanayrá Negreiros e Adriano Pedrosa.
instagram: @hanissimanegreiros @leandromunizdesousa
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